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Mil – ainda mais ferido que antes – foi até o assassino. O encarou de frente, porém o rosto dele era encoberto por um capuz. Sentiu temor e confiança em si mesmo.- Como assim, seu território ? Faz mais de duzentos anos que ninguém vem para cá. -
disse, tendo gaguejamentos em algumas partes- Porque acha que ninguém voltou mais nestes duzentos anos ?
Mil, por fim, ficou quieto.- Você não pode viver duzentos anos, é muito.
- Não posso. O que me dão em troca por levar-lhes até minha casa ?
- A sua casa pode acolher sessenta pessoas ? Acho que não, seu estúpido
A lâmina foi cravada no ombro direito de Mil, que o fez cair no chão e gritar de dor. As aves retrucaram com outro grito de espanto. A floresta quieta e em pânico com os acontecimentos, uma risada maléfica veio por de trás do capuz.- Gosto de sua confiança. Acha que é mais forte que qualquer um, você é estupido
– encerrou com um chute na cabeça de Mil, que o fez desmaiar. Jéss se levantou do meio do grupo, horrorizada foi acolher seu irmão.O homem apontou com a cabeça que o seguissem. Um Shanka fascinado correu atrás, como um cachorro atrás de seu osso. As irmãs foram atrás, tendo que levar Mil por braços e pernas. Apenas 10 pessoas seguiram o homem. O restante ficou, dizendo que morreriam a qualquer custo.
A viagem a seguir poderá ser longa aos seus olhos, ou não: eles seguiram viagem cinco dias. Os cinco dias, pensou Jéss, mais chatos de sua vida. Eles apenas percorriam uma extensão da floresta em quinze quilômetros, caçavam e a noite comiam e dormiam; sem trocar um único gesto de conforto ou palavra. Jéss rezava, quase todo o horário, não servia para nada ali. Alguns jovens – muito jovens, acredite – flertava-a e respondia até a alguns, mas nenhum que era do seu interesse. Nenhum, a ser o homem mascarado. Ele era sombrio; a manhã, acordava e ficava em uma espécie de meditação, de tarde ficava contando quantas folhas haviam no caminho, até que Jéss foi até ele e o perguntou:- Por que você faz isso ? -
intrigada ao ver o rapaz, ainda recolhendo folhas. Ela virou as costas a ele e então, ele disse:- Para manter a minha paciência
O exército vinha se mantendo longe cada vez mais. Eles não marchavam cinco, seis ou sete quilômetros por dia, coisa que o grupo vinha se especializando mais. Késs, vinha pegando ervas ao jantar – mais uma vez, carne de capivara – e viu que ervas que cresciam apenas perto de áreas praianas, sentiu um alívio no coração.
Mas Késs havia se enganado. A viagem durou mais dois dias. O homem – mais misterioso do que nunca – estava guiando o caminho, quando o cheiro de mar e sensação gelada atingiu a todos. A esperança voltou aos cidadãos de Utali. Todos saíram em disparada, esperando ver uma praia tão linda quanto olhos azuis. Mas o que viram, era uma estrada enorme e muros largos e grandes- Bem-vindos ao reino de Ukhr –
disse uma voz de sarcasmo, no final do grupoQuando foi dito a palavra reino, Mil acordou de seu sono. Haviam tentado curar ele de todo o tipo de forma: plantas medicinais, cultos e rezas; nenhum dado certo. Agora, acordava em um salto, como se aquilo fosse um insulto aos seus ouvidos. Quando viu muros cercando uma grande extensão da floresta, ficou surpreso- Você nos trouxe até o reino ? Quer nos matar ?
- Não, garoto. Não seja tolo. Esses muros existem aqui a mais de duzentos anos, um reino gigante que cerca toda a parte praiana.
- Então, toda a praia está infectada por gente da sua laia ?
Uma rasteira, rápida, foi dada em Mil que o deixou caído no barro. - Existe. Mais de cento e cinquenta mil pessoas. E não cercamos apenas a região praiana, a floresta também foi tomada. Se não fosse pela nossa civilização, ainda teríamos vinte quilômetros até chegar a praia.
E então, se aproximaram da barreira. Dois guardas vigiavam o portão que dava direto ao grande reino – descrito pelo homem – e um dos mais fortes entre os cincos continentes. Os guardas olharam apenas para o rosto dele, ninguém mais viu, apenas os dois. Entraram. As casas eram projetadas em uma forma espetacular, que dava brilho aos olhos. Haviam pessoas, de todas as classes sociais; até a classe mais pobre parecia de classe rica para os recém-chegados. Andaram por um hora, até chegar em uma parte afastada do centro comercial. Chegaram a uma mansão. Portões de ouro e seis guardas na guarda. O portão foi aberto, os aldeões entraram. A mansão parecia mais um templo: para entrar, havia uma escadaria – também de ouro – e colunas que cercavam-a. Entraram todos. Entraram em um enorme hall, onde o piso era feito de ladrilhos “xadrez”, as janelas eram pequenas mas milhares delas. Deixando um lugar escuro e ao mesmo tempo iluminado em certas partes. Passos eram escutados do final do pavimento. O assassino se ajoelhou – como se aquilo que estivesse vindo, fosse um Deus – e todos fizeram o mesmo culto, exceto Mil. Um homem forte, com uma barriga de chop, barba grossa, cabelos enrolados e com um sorriso estampado na cara. Os olhos eram negros que lembravam a noite. - Retire seu capuz, Spnel.
O assassino assim o fez. Não era nenhum adulto, e sim um jovem que aparentava ter a mesma idade que Mil e Késs: dezessete anos. Tinha um cabelo curto e mal raspado, o queixo quadrado, um rosto severo e olhos brancos: cegueira. Ele é cego, pensou assustada Jéss.- O que o traz aqui, depois de meio ano ? E ainda mais com convidados tão especiais ?
- Mestre, eles são intrusos! Trouxeram o exército da rainha até nosso território. Vim lhe dizer que o plano dela deu certo.
O sorriso do rei broxou. Ficou com um sorriso de meia boca, depois, sumiu de vez. Um rosto tão severo que assustou a todos. E então, ele se viu a uma cena: Mil ainda estava em pé. O rei se dirigiu a ele:- O que o lhe faz para me insultar tanto ?
- Você não é nada meu, não tem importância de me ajoelhar sobre você
- Agora sou seu rei
– uma voz de sarcasmo com ironia- Não é nada meu, já lhe disse
- Leve-o, Spnel. Façam o que quiserem com ele, mas não o matem. Tomarei a decisão com vocês hoje a noite o que fazer com cada um deles.
Spnel se levantou, foi até Mil e o puxou pelo braço. O jovem tentou resistir, porém uma pancada na cabeça o fez desmaiar e o assassino saiu com ele puxando pelo pé. O rei olhou para o resto do grupo: os três irmãos, três jovens, um homem e duas mulheres.- Vocês três: serão meus serviçais – disse se referindo aos irmãos –, esses três jovens trabalharão na limpeza e vocês adultos na cozinha
Fez um comando, e então todos seguiram-o. Jéss tinha medo e conforto do novo futuro.